AQUELA CALÇADA


"Sentou-se sozinha naquela rua pra ver o sol se por. Acendeu o último cigarro que tinha no bolso, tragou, prendeu a fumaça e em seguida soltou lentamente.
Em seu peito havia um terremoto de emoções. Tristeza, magoa, desejo de vingança, desilusão...
Dizem por ai que nós não deveríamos deixar que ninguém nos afetasse negativamente, mas até que ponto somos capazes de nos manter de pé?
É fácil falar quando não é você quem continua levando porrada uma, duas, três vezes.
E ali ela ficou observando e apenas isso. Viu a luz diminuir, as lojas fecharem, as pessoas mudarem o semblante e sumirem na escuridão.
Não queria voltar pra casa, não mesmo. O que deveria ser um refugio havia se tornado um pesadelo a muito tempo.
Ignorou veementemente os olhos que a julgavam de longe. Já não se importava!
Costumava conversar sozinha, mas ali queria sentir apenas o silêncio. Não expressava emoções e nem tinha vontade de chorar. Seu desabafo estava em cada baforada de fumaça que jogava na atmosfera de suas lamurias.
Via cada segundo passar pensando no quão aterrorizante seria ter que fazer o caminho de volta.
Era véspera do dia das bruxas, e daí? Seus medos e monstros a perseguiam todos os dias desde sempre.
Acorrentou os sonhos, aprisionou os desejos e vivia mecanicamente a certeza que estamos aqui só por estar.
Já amou e desamou uma centena de vezes e já não acreditava que o amor puro e verdadeiro pudesse existir.
Confiou em tantas pessoas que se tornou leviana ao ponto de desconfiar até do sorriso das crianças.
E que se dane as certezas que o mundo tenta te fazer engolir. Nenhum clichê pode se contrapor a uma sequência de vivências desastrosas e traumatizantes.
Levantou-se completamente bamba, sem apego a nenhum desejo e caminhou feito um zumbi. Abriu o portão de casa, respirou fundo e voltou pro seu inferno matinal.
Afinal a vida não é gentil, as pessoas não vão se importar de verdade e ainda assim é preciso continuar. Será mesmo?"
Aline Alves

QUANDO ELA SORRIU


"Ela sorriu, controlou o ciúme e mostrou os dentes.
Deixou de lado as magoas, incertezas e me chamou pra conversar. Disse que esperava pelo dia em que seriamos uma só.
Eu me calei, me fiz de durona. Isso de amar e corresponder se tornou complicado demais pra mim.
Ela por sua vez foi doce, romântica e me tratou da mesma forma que tratou da primeira vez que nos falamos a uns 2 ou 3 anos atrás. Sinto tanta falta de coisas assim que me deixei levar...
Eu sabia que já tinha lhe ferido algumas vezes e que não merecia aquelas palavras, mas ela foi inexplicavelmente afável. Lembrou de momentos que pareciam ser tão simples, mas que em sua visão haviam sido mágicos. Falou das esperanças, expôs fantasias...
E eu me permiti viajar em suas palavras. Respirei fundo, fechei os olhos e me entreguei aquilo tudo.
E meio sensual ela me provocava, atiçava minha imaginação e quebrava qualquer distância.
Segurei meu despudor, sabendo que de criminosa virei heroína.
Que se passem os meses e que venham os dias em que tê-la não seja só um ato de imaginar."
Aline Alves

TRIÂNGULO DAS BERMUDAS


"Muito se fala de amor e ódio, mas se vive muito o ódio e pouco o amor.
Amor só existe nas teorias dos livros e nas músicas românticas que embalam nossas ilusões.
Mas o ódio meus caros está ai pra quem quiser ver, nas ruas, na pele do negro, na carcaça da mãe solteira, no estereótipo do homossexual, no rosto da criança pobre...
Eu devo ser uma grande hipócrita mesmo, uma leviana superficial. Vivo por ai falando de amor, mas percebi que eu não sei amar. Já tem muito tempo que não sei o que de fato é o amor. Como alguém que vive o lado lírico da vida pode ser tão frio e vazio assim?
Não acredito em mudanças, esperanças, amores que vencem barreiras e tudo isso que as novelas fazem as pessoas esperarem.
Em contra partida vivo espalhando intolerância, rancor, stress e raiva por ai, dou conselhos do tipo “esquece, desiste, deixa, não tenta!”. Tola!
O amor deve estar nos momentos que nos fazem feliz e assim como esses momentos ele sempre se vai. Possivelmente é só o tempero dos poemas e canções que alimentam nossa alma, mas não alimentam a vida real.
Me emergi na vida real de tal forma que precisaria me apaixonar por um anjo pra acreditar que existe alguma magia ou pureza nas pessoas e infelizmente o mundo está cheio de pessoas como eu, ou pior ainda, pessoas que só querem curtir e não assumem nenhum compromisso com seu próprio coração.
Me cansei de encontrar pessoas incrível que tem data de validade curta. Não posso mais entrar na vida de pessoas que vivem num elevador, no qual eu entro no sexto andar e vou até o décimo. Após chegar ao topo ou me obrigam a descer naquele andar e voltar de escada ou me levam sem escalas até o térreo.
Não creio, não espero... Não guardo rancor, mas não esqueço.
Estou cansada de ouvir que sou uma pessoa incrível e por isso ninguém é bom o bastante e que eu mereço coisa melhor. Que maldita coisa é essa que nunca chega? Devo ser um triângulo das bermudas!"
Aline Alves

NA BRISA DO MEU OLHAR


"Percebi que tenho agido feito uma criança mimada nos últimos tempos, afinal não era eu vivia estufando o peito pra dizer que era a garota que amadureceu cedo demais?
Estranho ver que eu tenho me tornado tudo que sempre critiquei. Acho que a gente critica qualquer coisa que não entende e quando vive de fato, percebe o quanto foi idiota por muito tempo.
Lembro que um ano atrás jurei não fazer promessas, falar de amor ou sofrer por alguém... Hoje olha onde eu me encontro.
Já sei que esse é meu maior defeito, me doar demais, me entregar demais e achar que o mundo vai me retribuir isso. Sempre me iludo com novos amores, sempre espero finais inesperados, surpresas arrebatadoras e que as pessoas sejam intensas como se estivéssemos vivendo nossos últimos momentos. Mas a grande realidade é que todos sempre agem como se o amanhã fosse certo, como se sempre houvesse uma segunda chance de corrigir as coisas... Uma grande pena tudo isso.
Não peço mais que um pouco de atenção, carinho e dedicação e ainda assim isso parece ser pedir demais.
Já ouvi falar muito sobre a pessoa certa no momento errado, mas o momento não somos nós quem fazemos? Se tudo na vida passa e o que fica são os laços que criamos com as pessoas, qual o sentido disso tudo?
Acendo mais um cigarro e fico observando a fumaça rasgar o breu da noite, enquanto isso minha imaginação vai longe. Fico aqui pensando em como seria se isso, se aquilo... Sem saber muito bem o que fazer, como se viver pedindo a Deus e imaginando finais felizes fosse o suficiente pra mudar uma história que parece bem encaminhada.
Por fim decido deixar a brisa no meu olhar trazer o brilho de volta, já que nada mais faz meus olhos vidrarem assim. Começo a rir, mesmo que seja só um momento vazio. Verde virando cinzas no ar, penso em mil coisas, quero explodir, quero chorar, a pupila dilata, me seguro, vou pra casa e durmo.
E durante a noite minha mente faz questão de trazer pros meus sonhos justamente aquela protagonista que eu tento transformar na maior vilã, pois eu sei que se o ódio tomar conta de mim tudo se torna mais fácil.
E quando acordo pela manhã me deparo com uma ressaca moral enorme e uma vontade de repetir tudo de novo.
A maior pena é que as coisas não dependem de mim... Triste não ser o bastante, triste saber que meus olhos vermelhos não são só por causa da fumaça..."
Aline Alves

O HERÓI E A PRINCESA


"Firmei minhas mãos no volante do carro quando elas começaram a soar.
Eu falava sobre qualquer coisa e olhava para frente, por medo de encará-la.
Parei o carro em uma rua qualquer, respirei fundo pra tomar coragem, esperei o momento e a beijei... Acho que eu seria leviana se tentasse descrever o que senti.
Me perdi entre um suspiro e outro e quando me dei conta seu corpo estava sobre o meu. Ela me olhava, me mordia entre um beijo e outro, me provocava e eu me sentindo uma criança em suas mãos.
Foi como sol e lua num eclipse lindo e perfeito. Como Yin e Yang que precisam um do outro para manter o equilibro. Como a chuva se misturando a luz do sol e colorindo o céu na aquarela de um arco-íris.
A noite se foi e meu corpo que antes tremia, agora estava esquentando o dela. Se antes ela me dominava, agora eu me sentia o herói protegendo a princesa.
Um dia foi ela o fogo com o isqueiro, mas foi o desejo dela que queimou em mim.
O que me resta afinal é esperar e aprender a me adaptar, na vontade que aquela noite se repita várias vezes."
Aline Alves